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quarta-feira, 9 de outubro de 2013

É possível ser gay e cristão?

Cansados da exclusão religiosa, os homossexuais criam suas próprias igrejas e inventam novas formas de interpretar as proibições da Bíblia


Marília César

No próximo dia 13, no Rio de Janeiro, em meio à extravagância e o carnaval que costumam marcar a parada gay, um grupo de jovens ligados à Igreja da Comunidade Metropolitana estará distribuindo folhetos e erguendo cartazes nos quais anunciam o amor incondicional de Deus por todos os homens, incluindo homossexuais, travestis e transgêneros.

Esse pequeno rebanho de ovelhas, lideradas no Rio pelo pastor Márcio Retamero, faz parte de uma das comunidades chamadas “inclusivas”. São pessoas, em sua maioria de orientação homoafetiva, que acreditam na releitura dos trechos das Sagradas Escrituras que condenam a prática homossexual. Dados aproximados indicam a existência de 28 comunidades desse tipo organizadas no Brasil, em nove Estados. Um levantamento entre os líderes dessas comunidades, feito a pedido da BBC-Brasil em 2012, sugere uma frequência estimada de 10 mil pessoas. Muitas delas foram expulsas de igrejas evangélicas tradicionais, após assumirem ser gays, ou afastadas por uma forma mais sutil de assassinato: o desprezo ou a indiferença.

Sem saber, os participantes da Parada Gay estarão repetindo uma forma de manifesto organizada pela primeira vez na história em 1970 nas ruas de Los Angeles, nos Estados Unidos, por um pastor protestante. Ordenado pastor batista quando tinha apenas 15 anos, em uma pequena congregação no estado da Flórida, onde se casou e teve dois filhos, o reverendo Troy Perry se afastara do trabalho após divorciar-se da esposa e admitir ser gay.

Depois de entrar em crise existencial, que o levou perto do suicídio, Perry diz ter recebido um chamado divino para voltar a pastorear – desta vez com a atenção voltada às pessoas que, como ele, eram discriminadas por causa da orientação sexual. Assim nasceu a Metropolitan Community Churches (MCC), a primeira denominação inclusiva dos Estados Unidos. As MCC reúnem hoje 43 mil membros, em 222 congregações espalhadas por 37 países. Está no Brasil desde 2009, onde conta com oito comunidades. O trabalho do pastor carioca Márcio Retamero está vinculado à MCC.

O chamado pastoral de Perry deu origem à controversa teologia inclusiva, também denominada teologia queer (em inglês, estranho, excêntrico, suspeito) ou afirmativa. Trata-se de uma reinterpretação bíblica contestada ponto por ponto pelos teólogos tradicionais.

Um exemplo dessa releitura está na conhecida história sobre a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra, narrada no livro de Gênesis. Os estudiosos inclusivos utilizam uma passagem bíblica do livro do profeta Ezequiel (Ezequiel 16:49) para reforçar sua teoria de que o grande pecado das duas cidades não foi a devassidão homossexual, mas a falta de hospitalidade e de justiça social. O texto bíblico afirma: “Eis que essa foi a iniquidade de Sodoma, fartura de pão e próspera ociosidade teve ela e suas filhas, mas nunca amparou o pobre e o necessitado”. Ausência de interesse por justiça social e de preocupação com os viajantes numa cultura nômade, onde ser hospitaleiro era um dos traços de generosidade mais importantes: esses seriam, em resumo, os grandes pecados que os teólogos gays atribuem a Sodoma e Gomorra.

Os pesquisadores tradicionaiscontestam. Dizem que os que advogam apenas uma inocente falta de cortesia ou de preocupação social por parte da população de Sodoma ignoram a passagem do livro de Judas, que atesta: “De modo semelhante a estes, Sodoma e Gomorra e as cidades em redor se entregaram à imoralidade e a relações sexuais antinaturais. Estando sob o castigo do fogo eterno, elas servem de exemplo”.

“Há uma tradição de cinco mil anos de história judaico-cristã-islâmica e até agora não havia surgido nenhum teólogo, nenhum exegeta que tivesse feito outra leitura desses textos. De Abraão até o século XX não houve releituras. De repente, surge um grupo que teve uma iluminação”, afirmou com ironia, em 2011m dom Robinson Cavalcanti, arcebispo da Diocese de Olinda, em Recife, da Igreja Anglicana do Cone Sul da América. Em entrevista para o livro Entre a Cruz e o Arco-íris, de minha autoria, dom Robinson, morto em 2012, acreditava que esse debate estava, na verdade, inserido num movimento cultural global de caráter ideológico. “A Igreja teve os pais apostólicos, os pais da Igreja, os reformadores, a filosofia oriental ortodoxa, e ninguém nunca viu isso. Mas agora chegam os americanos e fazem uma releitura”, afirmou. “Trata-se de uma grande pirueta teológica.”

A discussão teológica é apenas uma das questões que pautam o difícil relacionamento entre as igrejas cristãs e os fiéis homossexuais. Quando se mergulha nesse universo, como eu fiz, fica claro que as igrejas ainda não estão dispostas nem preparadas para desenvolver uma pastoral adequada aos homossexuais, uma minoria que, como os leprosos nos tempos de Jesus, são deixadas à margem e condenadas ao isolamento.

O pastor Ricardo Barbosa, da Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília, um experiente conselheiro de casais cristãos, resume bem a questão: “Ouvi de um rapaz, que foi homossexual praticante durante muito tempo, que nós afirmamos que a graça de Deus basta, que Deus ama o pecador, nós cantamos para as pessoas para que elas venham como estão. Mas não no caso dos gays. No caso dos gays, nós pedimos que eles mudem primeiro. A Igreja deve manter o mesmo convite para todos, onde todos possam caminhar pacientemente em direção à vida que Cristo nos oferece. A Igreja ainda precisa se preparar para isso.”

Na verdade, não se trata de uma conversa fácil, e, nessa arena, muitos lutam com as armas de que dispõem em favor daquilo em que acreditam. Pastores surgem na televisão, inflamados, amaldiçoando a homossexualidade como o pecado sem perdão. Ativistas gays, por outro lado, combatem a postura das igrejas, na tentativa de amordaçá-las e impedi-las, por vias legais, de ensinar o que as Escrituras Sagradas estabelecem a respeito do assunto. Assim atesta o teólogo e escritor Richard Foster: “A homossexualidade e um problema tão difícil de ser tratado atualmente dentro da comunidade cristã que tudo o que for dito será severamente criticado”.

Por mais que pareça estranho, muitos cristãos desconhecem o fato de que há um rebanho formado por homossexuais que congrega nas igrejas, anônimos, sem poder assumir quem são, levando vidas que Henry David Thoreau definiu como de “silencioso desespero”. São pessoas comuns, e não as personas estereotipadas e escandalosas que a mídia costuma fotografar em paradas gays. São cristãos sinceros e que nutrem o desejo de servir ao mesmo Senhor adorado pela maioria heterossexual, homens e mulheres que foram aceitos pelo amor incondicional de um Deus que, segundo a Bíblia, não faz acepção de pessoas, mas que descobriram, na prática, igrejas que a fazem.

Por essa razão, é de se esperar que as igrejas inclusivas continuem crescendo também no Brasil. Os líderes das comunidades evangélicas amigas dos gays preveem o dobro do número de fiéis nos próximos cinco anos.

Mas mesmo essas congregações podem não ser a resposta ideal para alguns. A arquiteta Fátima Regina de Souza, por exemplo, um dos personagens do livro, frequentou, por um tempo, uma dessas comunidades, onde fez amigos. Ela, porém, não se adaptou. Não gostou da sensação de estar confinada a um gueto. Para Fátima, o lado mais difícil em sua viagem de autoconhecimento é enfrentar o preconceito. Ela tem a impressão de que as pessoas sempre pensam que o homossexual cristão não fez tudo o que podia para mudar, não buscou a Deus o suficiente “É como se a gente estivesse sempre em falta. As pessoas lançam esse olhar de desconfiança sobre nós sem nem antes encarar os próprios problemas. Isso machuca muito. Mas com o tempo você vai aprendendo a se proteger.”

Há alguns anos, ela voltou a reunir-se numa pequena e acolhedora congregação, em Ribeirão Preto, onde mora. Fátima encontrou ali cristãos que a amaram do jeito que ela é e, segundo diz, tornaram a sua vida viável.

Marília de Camargo César é jornalista do Valor Econômico e autora de Feridos em nome de Deus. Seu novo livro, Entre a Cruz e o Arco-íris, será lançado pela Editora Gutenberg em 14 de outubro

Fonte: Revista Época

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